sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Que violência é esta ?

A violência vivenciada e praticada por crianças e adolescentes brasileiros não se distingue demasadiamente daquela existente nos demais países latino-americanos e, mesmo, nos E.U.A. Nesses países, da mesma forma que no Brasil, a década de 80 trouxe o começo da sensibilização e da atuação da sociedade como um todo frente ao problema. As medidas mais voltadas para a atuação sobre os casos, bem como aquelas de reabilitação, são ainda pouco praticadas, nesses países, na maioria das formas de violência. Instala-se, então, a noção de prevenção à violência, que torna-se o tema de destaque para os estudiosos do assunto. Pesquisadores da área de saúde sugerem que a violência interpessoal e as negligências que ocorrem no ambiente familiar sejam responsáveis por grande parte desses atos violentos (Minayo, 1994).

Uma pesquisa específica sobre o tema do abandono é a de Altoé (1990), a qual descreve o cotidiano da vida de crianças e adolescentes institucionalizados em uma determinada fundação filantrópica no Rio de Janeiro que atende a 2.000 crianças e adolescentes pobres. Detalha a carência generalizada das crianças devido "à transferência múltipla de ambiente de vida, ao rodízio de funcionários, ao atendimento impessoal e despersonalizante, à impossibilidade de construir laços afetivos significativos, hipoestimulação do desenvolvimento motor, fechamento para o mundo exterior, monotonia do cotidiano e pobreza das relações sociais" (Altoé, 1990: 266).

Alerta, ainda, para o sistema disciplinar rigoroso e punitivo, que castra qualquer expressão de liberdade e autonomia. O caráter do castigo imposto impossibilita a interiorização da disciplina de forma positiva, favorecendo o desenvolvimento de um superego rígido e punitivo. Termina por afirmar que "o sofrimento é fabricado pelo sistema institucional que, pela tentativa de resguardar, proteger e educar, torna a vida de milhares de crianças brasileiras infâncias desperdiçadas, infâncias perdidas, expropriadas das possibilidades de futuro" (Altoé, 1990: 268).

Neste estudo de Altoé (1990), apenas 10% dos internos não tinham família. A grande maioria, portanto, eram abandonados nas instituições pela miséria a que suas famílias estão submetidas. Este quadro de pobreza é solo fértil para que violências igualmente cruéis germinem e se concretizem. Os meninos e meninas de rua, assim como a prostituição infanto-juvenil de ambos os sexos, são exemplos claros.

Um levantamento sobre violências registrado pela SEPC aponta distintas formas denunciadas. Para a ano de 1992, mostra que, dos 2.577 eventos não-fatais envolvendo crianças e adolescentes do Rio de Janeiro de 0 a 17 anos, as ocorrências mais freqüentes foram as lesões corporais culposas (49,5%), especialmente os acidentes e colisões, e as lesões corporais dolosas (34,8%), que são as agressões dirigidas intencionalmente para a criança/adolescente. Os crimes sexuais alcançaram 11,2%, sendo que 6,2% correspondem ao estupro e 5% ao atentado violento ao pudor. As tentativas de homicídio perfazem apenas 1,2% das ocorrências (Claves, 1993).

A dicotomia Estado/sociedade civil, tão cara ao pensamento da modernidade, deixa de ter sentido teórico, e o controle social pode ser executado na forma de participação social, a violência na forma de consenso, a dominação de classe, na forma de ação comunitária. Assim, como o próprio projeto da modernidade encontra-se permanentemente tensionado entre o aumento da regulação e a demanda por emancipação, Sousa Santos já visualizava, na época, a presença de um elemento emancipador nas reformas informalizantes: sua associação ideológica a símbolos emancipatórios com forte implantação no imaginário social (participação, auto-gestão etc.). Nesse sentido, embora aprisionados por uma estratégia global de controle social, estes símbolos apresentariam um potencial utópico ou transcendente, que faria com que a justiça informal não pudesse "manipular" sem oferecer algum pedaço genuíno de conteúdo ao público que vai ser manipulado (Sousa Santos, 1985, pp. 97-98).

A abordagem familiar da violência e a própria complexidade do fenômeno traz como conseqüência a necessidade de integrar diferentes profissionais através da formação de equipes interdisciplinares em qualquer programa de prevenção, detecção e acompanhamento de vítimas. Ressalta-se a importância da permanente discussão dos casos atendidos por todos os integrantes da equipe responsável pelo acompanhamento da família. As especificidades de cada profissional permitem que a situação seja discutida de diferentes perspectivas, facilitando a confirmação do evento e o planejamento das atividades a serem desenvolvidas.

Outro nível de integração necessário se dá entre as diferentes instituições envolvidas na prevenção da violência. Atualmente, ainda se observa uma real dificuldade de trabalho conjunto e retroalimentado entre organizações (setor público, setor judiciário, conselhos tutelares, organizações não-governamentais, etc). A divulgação e integração das atividades realizadas, o retorno de informações sobre o andamento dos casos e a especificação de ações, evitando a sobreposição de serviços, ainda são metas a serem atingidas. Vale ressaltar a insuficiência de programas de avaliação dos processos implementados propostos pelo SINASE, alicerce fundamental para o aumento da efetividade das ações realizadas.


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