sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O caráter do castigo imposto impossibilita a interiorização da disciplina de forma positiva

Em sociedades com alto grau de complexidade, no entanto, se expressam muito mais expectativas normativas do que podem ser efetivamente institucionalizadas. Para assegurar a consistência das expectativas normativas criadas pelo direito, o mecanismo eleito é a pena ou sanção, principalmente pelo seu papel simbólico, e não por sua real incidência sobre os autores de delitos. Enquanto nas décadas de 60 e 70 a explosão de litigiosidade se deu sobretudo no domínio da justiça civil, no período mais recente (anos 80 e 90) a justiça penal assume o papel de protagonista, que além de dar conta da "velha" criminalidade individual, passa a ter de responder a uma nova demanda, Isto somado à crescente demanda social pelo fim da impunidade dos crimes de corrupção ("colarinho branco") e ao aumento da criminalidade urbana violenta coloca os tribunais no centro de um complexo problema de controle social.


Diante da crise fiscal do Estado e do aumento da demanda por controle penal, as novas estratégias de controle vão incorporar a contribuição dos estudos sociológicos e antropológicos que tiveram por objeto o sistema jurídico. Paralelamente aos mecanismos convencionais de administração da justiça, surgem novos mecanismos de resolução de conflitos através de instituições mais ágeis, relativa ou totalmente desprofissionalizadas e menos onerosas, de modo a maximizar o acesso aos serviços, diminuir a morosidade judicial e equacionar os conflitos por meio da mediação. Neste contexto surge a proposta da Municipalização das Medidas Sócio Educativas em meio aberto.

Juventude e Ato Infracional


As crianças e adolescentes, como seres humanos que são, relacionam-se com a violência, reproduzindo a díade vítima-agressor. Tratá-las primeiramente como vítimas é fundamental, pela fragilidade que possuem e pelo descaso que sempre lhes foi dirigido. Entretanto, uma análise mais aprofundada não pode deixar de perceber reações violentas, mesmo na criança de tenra idade. A violência entre irmãos e colegas pode ser vislumbrada com facilidade. Para se ter uma idéia da multiplicidade dos atos cometidos e socialmente discriminados, cita-se um levantamento dos registros da SEPC, Os atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes registrados em outra fonte — a Segunda Vara da Infância e Adolescência —, no período de 1986 a julho de 1993, revelam que a grande maioria dos atos infracionais são os crimes contra o patrimônio, o envolvimento com entorpecentes (incluindo uso, tráfico e apreensão de tóxicos) e as contravenções (porte ilegal de armas e falta de habilitação para o trânsito) (Claves, 1993). A grande maioria dos atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes foi contra o patrimônio. Em 1992, do total de atos, 76,3% foram desta natureza, sendo 46% furtos e 30,3% roubos.

A violência vivenciada e praticada por crianças e adolescentes brasileiros não se distingue demasadiamente daquela existente nos demais países latino-americanos e, mesmo, nos E.U.A. Nesses países, da mesma forma que no Brasil, a década de 80 trouxe o começo da sensibilização e da atuação da sociedade como um todo frente ao problema. As medidas mais voltadas para a atuação sobre os casos, bem como aquelas de reabilitação, são ainda pouco praticadas, nesses países, na maioria das formas de violência. Instala-se, então, a noção de prevenção à violência, que torna-se o tema de destaque para os estudiosos do assunto.

Uma pesquisa específica sobre o tema do abandono é a de Altoé (1990), a qual descreve o cotidiano da vida de crianças e adolescentes institucionalizados em uma determinada fundação filantrópica no Rio de Janeiro que atende a 2.000 crianças e adolescentes pobres. Detalha a carência generalizada das crianças devido "à transferência múltipla de ambiente de vida, ao rodízio de funcionários, ao atendimento impessoal e despersonalizante, à impossibilidade de construir laços afetivos significativos, hipoestimulação do desenvolvimento motor, fechamento para o mundo exterior, monotonia do cotidiano e pobreza das relações sociais" (Altoé, 1990: 266).

Alerta, ainda, para o sistema disciplinar rigoroso e punitivo, que castra qualquer expressão de liberdade e autonomia. O caráter do castigo imposto impossibilita a interiorização da disciplina de forma positiva, favorecendo o desenvolvimento de um superego rígido e punitivo. Termina por afirmar que "o sofrimento é fabricado pelo sistema institucional que, pela tentativa de resguardar, proteger e educar, torna a vida de milhares de crianças brasileiras infâncias desperdiçadas, infâncias perdidas, expropriadas das possibilidades de futuro" (Altoé, 1990: 268).

Neste estudo de Altoé (1990), apenas 10% dos internos não tinham família. A grande maioria, portanto, eram abandonados nas instituições pela miséria a que suas famílias estão submetidas. Este quadro de pobreza é solo fértil para que violências igualmente cruéis germinem e se concretizem. Os meninos e meninas de rua, assim como a prostituição infanto-juvenil de ambos os sexos, são exemplos claros.

Um levantamento sobre violências registrado pela SEPC aponta distintas formas denunciadas. Para a ano de 1992, mostra que, dos 2.577 eventos não-fatais envolvendo crianças e adolescentes do Rio de Janeiro de 0 a 17 anos, as ocorrências mais freqüentes foram as lesões corporais culposas (49,5%), especialmente os acidentes e colisões, e as lesões corporais dolosas (34,8%), que são as agressões dirigidas intencionalmente para a criança/adolescente. Os crimes sexuais alcançaram 11,2%, sendo que 6,2% correspondem ao estupro e 5% ao atentado violento ao pudor. As tentativas de homicídio perfazem apenas 1,2% das ocorrências (Claves, 1993).

Nenhum comentário:

Postar um comentário